Perdi meu fone de ouvido tentando ouvir música na academia enquanto fazia agachamentos. Estragou o conector do carregador que, por um maravilhoso conceito de design ou engenharia dos celulares motorolas, é o mesmo do fone. Estou sem fone, com um carregador com mal contato e só treino pra não sentir vontade de me matar (apesar de ser bastante competitiva e envolver uma aposta com meu namorado. Não, nada de GymRats) e ainda descobri que ser fitness agora virou uma estética Instagrammer que oprime quem não anda nesse conceito.
Tipo, em que bolha você anda pra se sentir oprimido por não seguir um estilo de vida saudável, seja ele de blusão suja de cândida do Belchior ou conjuntinho da Shein? Talvez, as fitness que transformam isso num estilo de vida num mundo cansativo que estamos só queiram imputar nos outros o consumismo neoliberal pra se sentir menos vazias, no lugar de só perder peso pra sobreviver numa UTI um dia. Em suma, talvez essa galera crossfiteira tradwife e/ou incel só seja pau no cu. Bloqueia e para de dar click.
Gosto de cutucar ponta dupla no cabelo porque ele está feio com a tinta que coloquei e não ando tendo dinheiro pra comprar. Essa mania de mexer no cabelo surgiu como um escape quando eu estava no último ano do fundamental depois que uma menina com alopecia me ensinou a tirar as pontas duplas com as unhas. É chato, irritante pra quem olhar, mas não consigo evitar, relaxa minha ansiedade e me distrai quando estou entendiada. Já entendi que é 2025 e cabelos tem frizz, não dá pra lutar. Não sigo quem tem aplique e finge que é porque toma Gummy Hair.
Vi que a chegada de Notes deixou uma galera ranzinza. Depois, o Twitter caiu e uma galera correu pra cá, outras pro tal do Threads, outras pro tal do BlueSky. Quando a rede nazifasci de letrinha única voltou, a galera voltou. Poucos foram os que migraram e não retornaram. Pelo objetivo do Substack e o algoritmo lento de entrega de Notes, o uso dos “tweets daqui” é muito diferente dos outros. É só respondermos mais, lermos mais, ao invés de ficar tentando fazer notinhas pra hitar como nas outras redes com contas do tipo “Fofocalizando” “Sites Memes” ou Léo Dias.
Depois veio a chegada de vídeo que, sinceramente, nunca vi, nem ouvi, só ouço falar nas aberturas de News. Inclusivo, tanto para PCD’s quanto para quem não está podendo ler, mas está podendo ouvir (Oi, tá podendo falar?), mas não é mais meu caso porque agora…Bom, meu fone quebrou na academia. Longa história.
Agora o Reels chegou e, gente, é pra estadunidense supostamente progressista se sentir incluído da nova era digital das dancinhas sem se sentir inferior por estar Naquela Rede Das Dacinhas Com Dois T’s No Nome Que Agora Controla Tudo. É só não assistir. Deixa lá morto que eles uma hora tiram o serviço. É (ou era) assim pra tudo de serviços. Você não precisa usar todos os serviços que algo oferece. Isso não faz com que você seja mais produtivo por postar em todas essas mídias, ou que aproveite mais a rede ou quem segue, ou as news que assina. Você está lendo o que assina? Porque eu não.
Na busca de ficar controlando o que esse site/app é ou deixa de ser, a gente para de cumprir o básico da rede que é usar ela como suporte pra leituras e trocas e passa a só reclamar. Eu falo disso como uma reclamona nata.
“Ah, mas todo mundo está fazendo a fotinho Ghibli, eu também quero! Buá! É pra gente não se perder, temos o direito de ver como fica a família e o afeto nesse estilo de desenho”
Desculpa ser a chata, mas quantos filmes você viu do estúdio? Essa vontade de participar de tudo, de opinar de tudo, de reclamar de tudo, de vivenciar tudo em 24h faz mal pra todo mundo. É no cansaço que o sistema nos ganha, porque de tanto tentar tudo, todos os estilos de moda, ver todos os shows, todos os filmes no cinema, todas as séries que saíram, perdemos nossa individualidade e somos essa massa esgotada pra se organizar coletivamente.
Fonte: Acervo Bea do Brás
Essa crise estética e social não anda sozinha, com ela há também uma falta de ética e uma rigidez cognitiva: esses três fatores fazem com que tudo comece a ruir. São milhares de pessoas gastando energia elétrica e água para alguns clicks em fotos com design porco e filtro amarelado que em nada lembram o estúdio. Fazendo bonequinhos cabeçudos que nem vendidos serão. Patologizando personagens de séries que são na verdade produto do meio social, se vestindo de maneira fubanga clean girl para se camuflarem como pessoas de um meio endinheirado quando essas pessoas usam o que bem entendem, sem tons pastéis e coque com gel. Surtando porque agora a moda não é mais o minimalismo, agora os ricos voltaram a usar fones com fio (como o meu era antes de quebrar) e apostam no maximalismo. Quem deu o guarda-roupa embora agora surta.
Todo mundo queria opinar no cinema nacional, mas ninguém está indo ver Vitória ou Oeste outra vez (não estou falando do mérito qualitativo desses acima de Ainda estou aqui). Todo mundo quer colorir Bobbie Goods, mas o investimento extensivo de caderninhos e canetas de colorir se tornou um peso, junto da competição de quem colore melhor. Colocar os livros pra desestressar o adulto explorado pelo capitalismo não basta, tem que judiar dele mostrando que os livros mais vendidos são essas futilidades junto de Café com Deus Pai. Ganham os livros porcos, mais caros e menos úteis que uma Bíblia, saem as leituras de verdade. Mas, epa!, estamos lendo! Check nas milhões de tarefas do dia, stories com clicks do café fitness, a unha feita e a frase do dia do Café com Deus Pai.
No período que autoestima e autoconsciência era o objetivo, todo mundo começou a terapia. Agora, há uma briga de metodologias entre pacientes e terapeutas: “Ah, porque a psicanálise”, “Mas o TCC!!”, “Mas vocês lacanianos”, gente, foda-se. Faz quem quer. Mas questionem se a quantidade exagerada de medicalização e diagnósticos hiper-facilitados e mal acompanhados dado em semanas é normal.
Antes, era bonitinho falar de amizades e relacionamentos de baixa manutenção. Eu cantei a bola, ninguém é Mogli menino “bolo” não. Agora, as chapadinhas de endorfina rede adentro falam de como é importante voltar a socializar com amigos e que amizades de baixa manutenção são tudo, menos amizade. Cara, você odeia essa pessoa e vocês nem se conhecem mais. Mas, deixa, que uma hora a gente marca!
É tudo pra não se perder, tem que seguir sendo mediado e controlado por alguma coisa, por favor, que seja algo maior! É por isso que tanta gente agora é evangê. O amor livre deu lugar para o Escolhi Esperar que mistura Hallyu, religiões de matriz africana, paganismo, muito dinheiro, muita cultura estadunidense e o medo do terceiro elemento imaginário que revela a falta intrínseca ao companheirismo dual:
“Ter filhos é essencial, porque estamos chegando aos trinta, o mundo está esquentando e Buáá, quem vai cuidar de mim?”
E a culpa é sempre do outro, de um grupo, nunca do sistema. Pior, nunca do indivíduo que verbaliza a reclamação. Ouvi no ônibus, contra a minha vontade, a conversa de dois meninos voltando do trabalho de cabelereiros a domicilio. A começar que isso não faz sentido nenhum. Se quer cortar o cabelo, vá até o salão, irmão. E só ouvi porque estava sem fone, sabe como é. Um deles disse que trabalhar era cansativo (concordo), que queria se aposentar (todos queremos) e que o bagulho é fazer publi de tigrinho pra pobre (disse ele no ÔNIBUS) perder grana pra ele. Depois seguimos com:
(Transcrição em pedaços e sem contexto)
Toda mina gata tem pai careca. Pai careca não ia ficar bravo de eu cortar o cabelo errado;
Porque eu não recebi pensão do meu pai. Nem tive pai, então se eu engravidasse um dragão só daria no máximo 500 pau. Chorando ainda;
Porque meu chefe é casado, mas só posta a filha pequena. Tá sempre vendo pornô e falando das mina que comeu com os cara. A esposa dele deve ser mó dragão;
Bagulho é fazer que nem o outro lá e ir pra exterior vender contrabando;
Todos reclamam de paulistas, mas se são funcionários de outras cidades são tudo hiprócrita, infiéus, folgados. É, não prestam;
Trabalhar bêbado, com sono ou de ressaca é o melhor pra aguentar o trabalho, pica demais.
Me diga aí se isso não é a pura máscara do saquinho de lixo com chorume.
Quando chove a cidade toda para. Faz vento e os semáforos apagam. Estamos com menos frotas de ônibus. As linhas de metrô estão sendo vendidas pra iniciativa privada. Fazer exercício pra se sentir MINIMAMENTE melhor com o corpo requer se sentir muito mal com o ambiente academia independente das meninas aesthetic ou não. O Trump foi eleito, o mundo já tem a maioria de líderes mundiais conservadores. Ano que vem tem eleição. Esse app já teve histórico nazi. Todos os adolescentes pesquisam pelo GPT. O primeiro resultado de pesquisas Googles já é da IA burra deles, o tal Gemini. Todo mundo quer uma Alexa, utensílios de silicone, Airfryer, Coca-Zero e panelas de teflon. Bots de IA já respondem em várias redes, inclusive aqui. O mundo está ficando mais quente e nossas casas são de tijolos. Os livros agora são divididos em “não acontece nada”, “clássico é chato” e entretenimento. Todo mundo está se entretendo, mas ninguém está feliz.
Nós já nos perdemos, Bea do Brás, você perdeu.
Tá todo mundo esperando o click, o momento que vai vir a mudança no astral, no mercúrio retrógrado, na economia, uma enxurrada de assinantes piedosos vindo de outras newsletters super famosas que se interessaram pela sua news confusa, a virada de chave pra mudar de vida, aquele feeling de virada do ano onde você coloca suas metas no papel, na cabeça e chega abril e você não cumpriu metade, acha que está tudo perdido, larga de mão e deixa pro ano que vem.
Foda-se o algoritmo, foda-se se vai beneficiar quem está com 1000, 6000 assinantes, quem ganha grana aqui. Não temos as costas quentes, não temos apadrinhamento editorial, não temos publis, não temos seguimores e nem mochilão na Europa ou livros best-sellers publicados. Faça o teu, que quem tem que vir vem. E detalhe, metade de quem vem não abre e quem abre NÃO SE MANIFESTA. Lide com isso. O silêncio da sua News também diz algo pra você não se perder.
Não escrevemos pra nos sentir bem, pra sobreviver, pra desabafar, pra deixar no mundo. Se você escreve e publica aqui, você quer ser lido. Até Anne Frank escreveu pensando que leriam, não acreditem que não. Toda literatura pressupõe um emissor. Ele pode não ser seu leitor ideal, pode não ser a quantidade que você quer, mas o texto não vai se perder (apesar de nós já estarmos perdidos). Ele chega em quem deve chegar.
Não dependa de clicks, não dependa da likes, não dependa de números de seguidores, ou o números no geral. Ah, detalhe, se ninguém escreve pra desabafar, logo, a News não é você. Não espere sentir você como indivíduo validado por isso. Você é mais do que palavras numa tela.
Quer um número pra não se perder?
O seres humanos só conseguem ver 0,0035% de TODA a luz existente no universo. Isso significa que somos um amendoim na Terra. (O poeta ainda come amendoim?)
Quando vemos algo: na News, numa conversa de ônibus, em uma discussão de uma série, num tweet, estamos vendo uma parcela amendoística de tudo. Permanecer de olhos abertos e atentos para saber quando algo que vemos e achamos (e reclamamos em seguida) é apenas um micro do macro é importante pra permanecer curioso e humilde com o ato de viver.
Viver é se perder, ser curioso, ter medo, errar. Quando fixamos nossa reclamação em um aspecto, temos um ponto de vista. Veja, ter um ponto de vista é importante, mas olhe como ele se parece:
Ele é um ponto e, portanto, fixo. O que precisamos é de um olhar. O olhar é móvel, depende desse 0,0035% de luz que vimos, tenta ser panorâmico. Olhar é o primeiro passo pra saber como agir, para em seguida ouvir, para se emocionar. Quando olho reclamações e números no Notes, simplesmente fecho o aplicativo e olho pela janela.
Todas as noites de Março que fechei o aplicativo depois de ver uma reclamação, ou pior, depois de reclamar horrores (não é porque escrevo o texto que não sou passível de passar pela hipocrisia), olhei pela janela. Vim chorando praticamente todas as noites de saudade dos meus bisavós e da minha avó. Ninguém volta, mesmo que a gente (re)clame. Mas foi bom demais forçar a memória de paçoca a lembrar deles. Tudo vai embora muito rápido.
Nada volta. Não vão voltar os desenhos da sua época, nem o sentimento, nem as redes. Lidemos com esse monstro de tentáculos que temos na nossa pequena frente. Não espere nada de ninguém de uma tela, cultive as relações pra fora dela, sem esse papo de baixa manutenção, ninguém aqui é geladeira.
Dispa seu saco de lixo, esse do qual você se agarra continuadamente pra dizer que é “pra não se perder” e pare de esperar um click, em qualquer coisa.
Falta de controle
·Nos últimos dias ando muito irritada. Talvez seja porque não consigo respirar, talvez seja porque não consigo ver alguns amigos faz semanas, porque tudo é movido pelo dinheiro ou porque parei de entupir meu corpo do estrogênio que só me deixava deprimida (leia-se sem sentir nada), no lugar de sentir raiva quando eu deveria sentir. Larguei o anticoncepci…
Ana, teu texto me fez pensar.
Essa semana um brasileiro ganhou a Copa do Mundo de tênis de mesa(Ou Ping Pong?). Histórico. Mas, de repente, apareceu uma multidão comemorando online — gente que nunca viu uma partida na vida. Estavam lá pelo hype, não pelo atleta.
Isso se repete com tudo. Cinema nacional, por exemplo. Gritam “vai, Fernanda!”, mas nem assistem ao filme. O apoio real é silencioso e discreto.
Hoje, muita gente virou bot. Reage sem pensar, só pra parecer envolvida e ganhar o click.
Mas ainda acredito nas coisas verdadeiras — aquelas que não precisam de aplauso pra existir,mas o estimulo pra existir é um estímulo sempre bem vindo.
Bom demais!!!!
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