Faz muito tempo que não apareço por aqui. Escrevo esse diretamente do rascunho do Substack sem saber se vai ser coerente. Não vou revisar, não costumo revisar quase nada do que faço — uma falha de caráter tremenda pra uma escritora. Apesar disso, continuei ganhando likes esporádicos na News e seis inscritos novos, o que para uma news de um ano de idade, é gente considerável, então devo desculpas devidas a todos que me acompanho e eu tanto gosto.
Desejo um feliz ano novo, com 20 dias de atraso e que todos os sonhos, metas de vocês se realizem! Peço desculpas pelo sumiço da news. No entanto, o furacão do trabalho, provas e análises críticas de fim de semestre me afastaram da Anaforismos e com ela e um combo de problemas pessoais, emocionais, psicológicos e sociais fui me vendo afastada de escrever. Fui perdendo o ânimo, o sentido, o objetivo e não tinha porque me forçar a escrever, sabendo que traria pra vocês textos mais porcaria do que os que eu tinha forças pra escrever.
Me peguei muito nostálgica, um perigo. Pensando em momentos específicos de quando era criança, coisa que não costumo fazer porque não lembro da infância com clareza (é tudo muito nebuloso). Me peguei com uma autoestima mais baixa do que o costume, um veneno. Achando que as coisas não eram pra mim (e talvez não fossem e não são). Desisti de sonhos e projetos que achava que seriam de longo prazo e perfeitamente adequados pra mim: fazia dois idiomas na faculdade e larguei um deles porque perdia tempo sofrendo na mão de docentes tiranos com metodologias péssimas pra poder me dedicar a literatura. No entanto de lá pra cá, nunca li tão pouco e tão mal.
Esse texto é a busca por um encontro. De objetivo, resposta, projetos, ânimo? Nem sei. Nunca fui muito boa nesses processos meditativos e filosóficos de autoconhecimento. Se conhecer, por muito tempo, foi uma balela, encontro com abismo. A escrita ajudava, mas não fazia o processo completo — e não acho que ainda hoje faça —, mas me pediram pra continuar. E se eu tantas vezes bati o pé que se pode buscar (e alcançar) autoconhecimento através do conhecimento dos outros, da sensação de alteridade e pertencimento, também acredito que nesses pedidos que soam provações, desafios, possam estar enormes provas de amor e reconhecimento. E o que, nessa filosofia, pode ser o autoconhecimento se não reconhecimento?
Quando eu era criança achava que existia uma faculdade pra se tornar escritora. Foi uma frustração quando descobri que não. Quando eu era criança ouvia que eu seria escritora & professora. Ouvia de outras professoras, minhas musas, deusas, exemplos e autoridades máximas. Nossa, que coisas tão semelhantes e indissociáveis, eu pensava. Hoje, estou no meio do caminho pra uma das coisas (nem sei dizer qual), no entanto, não sou e nunca fui nenhum dos dois. Ouço elogios de um professor ou outro hoje, mas tenho dificuldade de levar a sério e acho que todo professor universitário só o faz por pena. No fundo, adoraria que uns três dessem uma olhada aqui, especialmente os de literatura brasileira e a professora mais apaixonante que tive de Saramago. O caminho não deve ser busca por aprovação, nem likes.
Também não sei dizer se sou boa em outras coisas, ou se em algum momento eu quis outra coisa, porque só me lembro de viver para ler, para livros, para falar, para oralidade, para a palavra.
Para os comentários surgirem, não foi subitamente: eu via meu pai falando e fazendo as pessoas rirem, sabia que não era a menina mais bonita ou mais forte então aprendi a ser a falante. Logo, aprendi a ler, meu pai me levou em uma Saraiva enorme e me deixou escolher quantos livros infantis eu quisesse, eu tive que ler “Um Mundo sem livros” e ficar chocada como tudo era sobre as palavras. Eu tive que fazer amizade com as professoras, então eu podia entrar e sair a vontade na biblioteca da minha escola (uma escola municipal sempre bem querida e bem cuidada, mas com poucos alunos querendo ler), tive que achar, na estante com tantas coisas, as edições “Nossos Clássicos” da Agir, e descobrir pela primeira vez poesia. Especificamente, Augusto dos Anjos e Cecília Meireles. Depois um Leminski.
(Mais tarde, tarde demais, A Hora da Estrela e Memórias Póstumas)




Tive que me forçar a lembrar algo que eles diziam, porque diziam tão difícil e eu nada entendia. O que as pessoas diziam era fácil, eu andava com os adultos porque eles diziam coisas difíceis. E gostei da Cecília e do Augusto pelo mesmo. Não lembro de nada do que li. Não que nada tenha me marcado, mas de novo, infância nebulosa. A conclusão foi tentar fazer meus próprios versos. Os comentários surgiram no meio dessas linhas anteriores.
Depois historinhas, mais versos, mais romancinhos, novelinhas, todas foram para o lixo na mudança. Não sabia se eram valiosas como literatura porque não entendia nada de qualidade literária, não sabia se eram valiosas como documento porque era nova demais pra entender sobre herança ou crítica genética, não sabia se eram importantes como memória e nem que eu seria tão nostálgica quando crescesse. Foi o mesmo com brinquedos e roupas. A mudança era minha, além da casa.
Depois vieram Fanfics, tentativas de livros, crônicas e contos no Nyah, Spirit, Wattpad. Um ensino médio e um livro de poesias e aforismos publicado e jogado no lixo pela mesma editora com a desculpa da crise do dólar. Uma faculdade de jornalismo na pandemia e o ingresso na melhor universidade pública da América Latina.
Nunca soube se estava seguindo o caminho certo, porque acho que crescer tem disso de achar que está se vivendo errado. Mas sempre que respondia “o que você quer ser quando você crescer?” era sempre “escritora!”, depois da fase muito inocente e infantil de astronauta, bailarina, bailarina astronauta e veterinária. E bem, apesar de não ser como eu achava que seria, eu escrevo. Isso é ser escritora?
Quando perguntam o que queremos ser quando a gente crescer, nunca perguntam QUEM a gente vai ser. O quê nos define? Nossa profissão? O desejo de ser adulta (ou mãe ou médica) aos sete anos? É o o quê ou o quem ou os dois. O autoconhecimento é o quê ou o quem? Quando perguntam, nunca perguntam:
como você acha que vai ser o mundo quando crescer?
Acho que se eu tivesse contato com crianças hoje, como mãe, tia, professora, familiar, enfim, perguntaria isso: “quem você acha que o mundo vai ser quando você crescer?” porque quem você quer ser infelizmente depende do mundo, mas nunca nos contam isso quando somos crianças. Quem a gente quer ser depende de oportunidades, de relações que passarão por nós, de medos.
Quem eu queria ser é provavelmente muito menos do que eu sou e isso é incrível e assustador. Eu posso facilmente voltar ao passado, com fotografias, nostalgias e esforço mental pra lembrar algum relato humoristicamente dramático da infância, mas não vai ter mais ninguém lá. Não vai ter ninguém pra perguntar o que eu quero ser, porque talvez eu já seja. Mas eu estou aqui agora e posso perguntar pra mim, quem eu quero ser daqui pra frente. Com muito medo, vergonha, insegurança, desespero, ansiedade, mas posso. Tem euforia, muito encantamento e muito sofrimento no meio. É nítido que algumas coisas são mais difíceis pra uns do que pra outros, mas ninguém me perguntou sobre isso.
Eu até sei quem eu quero ser. Mas saber é diferente de ir atrás de ser de fato.
Mas o que faço sobre o mundo?
Continuo não sabendo nada sobre ele, nem sobre suas palavras.
Fico com o “Epigrama” de Cecília Meireles.
A serviço da Vida fui,
a serviço da Vida vim;
só meu sofrimento me instrui,
quando me recordo de mim.
(Mas toda mágoa se dilui:
permanece a Vida sem fim.)
Esse relato não cabe em seções herméticas apartadas do resto da news, mas aqui é um lugar onde sei o quê e quem quero ser e apesar do que já fui e sou nos posts ser bem repetitivo, eu gosto disso. Sei que não é literatura, sei que é afobado demais, mas eu gosto dessa repetição e me fazia bem. Talvez voltar me faça bem.
Então peço desculpas pelo sumiço como escritora e como leitora desse ambiente tão gostoso, informativo, cultural e emocional. Nesse tempo assombroso de faltas, cheguei a voltar pro umbral do Twitter, para você ver o estado emocional da pessoa. Pretendo sair em breve. Espero que eu esteja desculpada e que 2025 tenha o Anaforismos como foco, já abandonei coisa demais.
"Acho que se eu tivesse contato com crianças hoje, como mãe, tia, professora, familiar, enfim, perguntaria isso: “Quem você acha que o mundo vai ser quando você crescer?”, porque quem você quer ser infelizmente depende do mundo, mas nunca nos contam isso quando somos crianças. Quem a gente quer ser depende de oportunidades, de relações que passarão por nós, de medos." Eu quis compartilhar esse trecho, mas o Subs não deixou 🥲
Gostei tanto desse parágrafo. Eu acho que todo jovem adulto gira essa cerâmica dentro da cabeça por uns seis anos antes das coisas começarem a fazer sentido. É bom ser contemplada, a gente se sente menos sozinha (apesar da companhia fazer diferença nenhuma na hora de sofrer).
Obrigada pelas palavras, me tocaram enormemente. Um beijão pra você!