Como uma pessoa ansiosa, o futuro pode ser assustador. A crise pode vir a qualquer sinal um pouco mais grandioso da passagem material de tempo, como uma festa de ano novo, ou com um encontro familiar que desencadeia o fio de novelo do passado, aquele embolado, amarrado e intrincado a nós como uma corrente. Tudo isso volta, todo ano, no dia 31 de Dezembro.
O ano novo sempre foi muito melancólico, quem diz que não, está mentindo. As cores de branco, dourado, prata, os minimalismos de comportamentos, as falsas abstrações dos erros, as promessas que nascem não cumpridas antes mesmo de serem anunciadas, a chegada iminente de algo novo e um fim de algo que não acaba realmente. Tudo isso somado a gente que você não vê sempre, clima de festa adolescente e muita bebida.
Quando eu era criança imaginava que o mundo ia acabar no ano novo. Me dava pânico. Mas ao crescer percebi que acabava de uma forma, pra dar um lugar novo pros adultos enfiarem seus problemas e culparem os outros, os caos, as metas impossíveis.
Depois de um tempo o ano novo passou a ser insignificante no sentido de com quem e como se comemora. Esse ano especialmente, passei a meia noite de Natal sozinha comendo uvas e ameixas. Todos foram dormir por cansaço. Eu não senti que deveria colocar expectativa na festa que viria menos de uma semana depois. Estou errada? Não acho.
A conclusão que tive é que para um ansioso, muitos dias são fins (finais?) do mundo ou anos novos. Muitas noites podem ser apavorantes, com fogos de artifício sendo o que são para cachorros ou como diamantes com glitter explodindo no céu para quem vê como festa.
O dia antes da terapia sempre é muito obscuro. É difícil dormir, comer ou fazer algo que exija muito. Fico pensando no que dizer o dia todo, me preparando, ensaiando. Estou esperando a terapia uma hora antes dela apenas começar. E quando começa tudo que planejei vai pro saco.
Tem vezes que o pós terapia é outra noite escura. Muitas dessas vezes vem com um novo olhar: um ano novo.
Sou fiel a ideia de Heráclito "do mesmo homem e do mesmo rio", blá, blá, não quero ser repetitiva. Só que é verdade. Se não sou a mesma toda vez que saio da terapia, porque o ano e como o encaro, deveria ser?
As 24 horas mais escuras do ano, literalmente, são dia 20 ou 21/06, por ter a noite mais longa do ano, mas as vinte e quatro horas mais escuras do ano podem ser qualquer uma para quem tem medo de tudo.
As 24 horas mais medonhas de todas podem ser um dia antes de um exame, escolar ou médico.
Podem ser os dias de sentar e organizar as metas, podem ser os dias de pensar nas metas.
Enquanto todos desejam saúde e paz, as vinte quatro horas mais escuras do ano dizem que tudo dará errado, você será um fracasso e não cumprirá nada. Porque talvez não cumpra nada mesmo. Só uma ou duas das coisas que você quer. Talvez não emagreça, talvez não pare de fumar ou finalmente corte os laços com familiares abusivos. Talvez você troque de emprego por um pior, talvez fique bêbado demais pra se lembrar de qualquer desejo ou meta. Talvez não seja um ano feliz, nem sequer novo. Talvez seja velho porque tempo não existe, é um conceito até meio ridículo. Talvez seja velho porque você continua o mesmo, porque ainda não sentiu mudança, não viu a ficha cair, não comemorou, foi só outro dia.
Mas foram as vinte e quatro horas mais assustadoras para algumas pessoas em vários lugares do mundo. Por que é um sinal de envelhecimento e odiamos ser mortais? Por que é sinal da passagem de tempo e da falta de ócio porque só pensamentos com um "mindset produtivo"?
Não acho.
Acho que são as vinte e quatro horas mais escuras e assustadoras do ano porque enquanto estalam os doces Diplokos no céu, explode algo dentro do nosso peito humano, magistralmente e naturalmente ansioso: o clichê de que somos pequenininhos e o mundo continua girando apesar das nossas preocupações gigantescas com nossa bolha feita de Lego.
Ela cai, destrói, desmonta e é desmontada. Alguém pisa numa peça e dói pra caralho, mas o mundo continua lá, girando. Depois das 24h mais escuras, o Sol ressurge, lembra que "Oi, tô aqui todo dia, eu volto". Que é um sinal de retorno, de que não se importa se você vai ou não conseguir fazer academia ou juntar dinheiro para viajar para Balneário Camboriú. O Sol amarelo, gigante branco cego, nos prova que só existe o presente.
Não sou de acreditar que contato com a natureza resolve os problemas, ainda mais psicológicos, mas é nítido que o contato com ela faz diferença. Te faz esquecer por um segundo do capitalismo, de quem você é, do que você quer ou já quis. Você é apenas uma massa bronzeada flutuando em um braço de um rio gelado tomado pelo Sol de verão brasileiro. Um rio que na metrópole já foi tomado de sujeira. Um Sol que está mais quente do que deveria mesmo pra estação. Mas ainda sim, passa a ansiedade, você só pensa em relaxar, viver o presente nas poucas férias que você tem.
E por alguns minutos, no mergulho doce nas pedrinhas de seixo que você pisa pra entrar na água, não existe mais hora escura para um ansioso, existem alguns segundos de pensar em não pensar. É impossível pra alguns não pensar em nada, mas é aquele oco na mente, onde você escuta tudo ao seu redor e não elabora nada muito complexo sobre isso, como nós humanos fazemos sempre instantaneamente e naturalmente, você só processa a informação com símbolos simples e deixa e ela vagar, junto do céu azul sem nuvens.
O que eu desejo para o meu 2024 são 20 minutos nessas 24h todas sem pensar no medo, todos os dias. Sem pensar em nada. Com as previsões para o ano sendo de muita tragédia climática, briga política e eu puta por uso de IA, gastando tempo no Twitter, mas só peço 20 minutos por dia sem temer tudo. É óbvio que quero muitas coisas.
Quero aprender uma língua, ir em bons restaurantes com meu namorado, ver mais minhas amigas, ver minha afilhada crescer. Continuar escrevendo meu livro de contos e o outro romance juvenil enquanto tento lançar o primeiro. Esquecer o projeto do livro de poesia que tanto me machuca. Dormir direito, ser menos tensa, menos submissa. Aprender a dizer não, aguentar o tranco da faculdade, iniciar ideias de pesquisa, amadurecer a escrita, ler o suficiente, ler gente nova, nacional, comer doce, emagrecer…Tanta coisa, todo o tempo, tudo.
Sabendo que não dá, dá medo de largar a quantidade absurda de Legos, Diplokos, chocolates e cadernos com tasks list. Fica tudo escuro. Acreditando que dá, qualquer coisa que seja a crença do crer ajuda. Sem pressa e previsão, só venire1, vinte minutos e verão (por enquanto). Vinte minutos pra mim e mais 24 pra todos que leem.
É nítido que 2024 começou com um relaxamento que eu nunca tinha sentido, ou não me lembrava. Nadar no rio e dormir nos braços da água e do meu amado me fez ver que nem só de tensão vive uma mulher caçula refém da família. Claro que o dia a dia já voltou para me lembrar das metas e tarefas diárias impossíveis de fugir e, isso me trava no sentido da escrita, então esse texto tem uma qualidade inferior e uma síntese de seções misturadas. Peço desculpas, mas nem só de textos como o do Mogli vive uma escritora iniciante em news.
Fico com dois ensinamentos para o ano, por enquanto, o primeiro:
“As pessoas que ficam com raiva quando você estabelece um limite são aquelas que se beneficiaram quando você não estabelecia nenhum”
& principalmente, essa frase da Ana Suy :
“Os grandes conseguem, é verdade. Mas eu, há muito, já desisti de ser grande. Ser pequena me é um alívio.”
Venire é vir, do italiano, uma língua que acho muito bonita e um dia espero aprender. Venire me lembra a frase conhecida “veni, vidi, vici” supostamente dita pelo Júlio César, que diz “vim, vi e venci” e, mostra muita força e superioridade na vida. Apesar dela ter sido usurpada por alguns redpills, acho ela bonita pela causalidade que representa: vir e ver são muito próximos como verbos no italiano e no português e, é bonito pensar que chegar em lugar é olhar, ver o novo, assim como ver algo é chegar em alguma coisa, muitas vezes muito maior do que o que o próprio olho vê. E venire também lembra verão (em português, porque em italiano é estate), que é a estação única/universal do Brasil. Principalmente no fim, me lembra de aceitar aquilo que vem, vê, vence, seja por uma estação ou pela vida inteira, pois está me trazendo luz. Ou seja, joguinho de palavras bestas que me parece dizer algo, com um forte significado, por enquanto. Não é todo texto um jogo de palavras?
Lindo e sincero seu texto! Esse ano passei o ano novo em casa, só com meu marido e sem expectativas. Logo dormimos depois de jantar. Pareceu uma resenha qualquer que fazemos em casa. Essa coisa de festança, barulho, excessos, multidão perdeu o sentido pra mim. Talvez seja da idade, imagino isso. Ou não... rsrsrsrs O importante é encontrar essa fenda de paz, ainda que seja momentânea. Parabéns pelo texto! Real e sensível .
Sempre acho engraçado como tudo é um ponto de vista. Ansioso e estressado, fico vendo as pessoas se esbaldando nas festas de final de ano só desejando um Natal quietinho e um ano novo escondido no meio do nada, um relaxamento como esse que você sentiu. Quem sabe essa seja uma boa meta para 2024..!