Acordo na quarta retrasada pra tomar remédio. Desligando o alarme, percebo a notificação de um E-mail do Twitter, o novo X. Conta suspensa. Estou com sono, volto a dormir. Descubro que estou com a conta suspensa por ter violado uma das regras contra violência do site. Em umas semanas atrás a timeline congelou e não atualizava direito, os tweets sumiam e muita gente reclamou dessa mesma maneira que eu:
Talvez o teor do tweet tenha sido agressivo, mas em minha defesa, muita gente fez igual. Descubro que posso ficar de 12 horas a 7 dias sem a conta. Respiro fundo, penso um pouco e tomo isso como um aviso divino para aproveitar minhas férias longe do manicômio ao qual fico por Síndrome de Estocolmo. Descubro depois de alguns dias que posso ter minha amada conta de quase seis anos se mandasse um recurso. Mando.
Recebo a resposta simples e básica de que violei uma regra essencial do site e portanto estava com a conta suspensa permanentemente. Ou seja, perdi a conta (a segunda no site) por ego do novo dono.
Como uma amiga disse, talvez esteja até na lista do FBI graças a essa bobeira que alguém decidiu denunciar por ter tempo de sobra.
Conte até o 3
Pra começar, o Twitter foi uma rede social que entrei como menor de idade, usando o único computador que ficava na sala algumas horas por dia depois da escola (e depois de já ter jogado Amor Doce, Club Penguin, Friv e olhado o Orkut/Facebook com Dragon City e Criminal Case). Usava lá pra falar de novelas e bobeiras que uma criança falaria. Postar memes do “poker face” e tudo que alguém nessa geração fez, até esquecer a conta e relembrar lá em 2015. Passei a entrar pra comentar novelas e publicar minhas poesias (que hoje estão todas perdidas por diversos outros motivos e não escrevo novas).
Em 2018, além de ser mais um perfil alvo de homens bolsonaristas com óculos escuros por qualquer tweet com mais de cinco curtidas, acabei perdendo a conta depois de uma enxurrada de denúncias do fandom da novela Espelho da Vida, da autora Elizabeth Jhin. Na época, a autora queria fazer uma trama de regressão espiritual onde os amantes interpretados por Vitória Strada e João Vicente de Castro tinham que retornar a uma cidadezinha para gravar um filme e resolver mistérios do passado.
O ator não foi muito bem aceito como “galã” o que dividiu o fandom da novela entre quem torcia para a história original de Alain e Cristina e quem amava os lindos olhos azuis que entrou na reta final da novela, Daniel, interpretado pelo problemático Rafael Cardoso. Uma novela que acabou sendo morna e tendo a repercussão fraca por escolher o caminho mais palatável para as caprichetes de Twitter causava brigas aos berros no Twitter e foi assim que perdi minha conta original, uma bobeira, eu sei, depois de ter sido alvo de ataques por fandom de BBB.
Criei a outra conta e lá, não me orgulho de dizer que passava a maior parte do tempo como fuga de coisas difíceis de lidar na minha vida. Ali eu tinha acesso a perfil de desenhistas, video-game, vídeos engraçados, notícias em primeira mão, hits muito específicos e perfis de fofoca. Não vou dizer que me orgulho de ser uma twitteira crônica, mas também não me envergonho.
Para muitos, assim como para mim, é o momento onde um arroto ou lágrima é digno de ser colocado no dadaísmo dos caracteres. A essência dos perfis, mutuals, rodinhas, silenciar, threads, hastags e tudo mais me chamava mais atenção do que outras redes. Tumblr nunca funcionou pra mim, só fui ter Instagram em 2017 por pressão das amigas do ensino médio e usava Facebook pela comodidade da função padrão dele com amigos.
Nessa segunda conta, a qual já me referi em outros textos meus, tinham mais de 250k de Tweets, sim uma saga romântica em milhares de trechos de 280 caracteres. Contavam uma história. Ali eu fazia threads com textos que não tinha onde colocar antes de ter a Anaforismos, compartilhava minha leitura atual, falava dos planejamentos dos meus livros, fiz amigos virtuais importantíssimos.
Foi nessa rede e nesse perfil que reclamei da prova para entrar na USP, a Fuvest. E, portanto, o lugar onde recebi um tweet de resposta sobre minha reclamação do homem que seria o amor da minha vida. Achei meu namorado e melhor amigo ali, como quem não quer nada e nunca procurou, tive registros importantes, hits com meu livro de poesia que mesmo me frustrando hoje, foi legal.
Perder esse perfil por essa bobeira supostamente gráfica e violenta contra o novo dono (que estragou o algoritmo, as rodas privadas, aumentou o número de bots e transformou uma parte do procedimento básico de interação do usuário em paga) me frustrou muito, não por perder outro perfil, ou por odiar o Musk, mas por perder as mais de 500 pessoas que eu seguia, os mais de 1000 registros fotográficos que apliquei lá, de perder threads legais que me esforcei pra fazer, como minha lista de leitura que faço todo ano ou o registro da minha primeira conversa com meu amor.
Não tive direito a resgatar nada do perfil e ninguém nem pôde me ajudar resgatando pra mim. Suspenso é suspenso, para geral. Me incomodou perder o perfil de quase seis anos por isso quando registros violentíssimos de abuso, misoginia, racismo, homofobia, transfobia e incitação a nazismo ou a anorexia ganham força e se alastram para todo canto do site. Eu perdi minha conta, mas um “cabeça de balão da lei seca” que hitou sendo gordofóbico e misógino na internet ganhou seguidores, mesmo sendo aloprado por semanas.
Tem perfis que vendem pack de gente morta, usam símbolos nazistas, pregam superioridade de raças, fazem bullying com os outros até que eles se suicidem, golpistas que arrancam dinheiro dos outros toda semana, mas eu, boba na escolha de palavras na hora da raiva, perdi a conta muito mais rapidamente, porque alguém denunciou.
Alguém que sabia que tweets falando do Elon de qualquer maneira diferente caíam. Foi com esse ego de menino que chupa dedo que ele acabou com as rodinhas de conversa entre perfis e retirou a possibilidade de vermos a curtida dos perfis alheios: assim, não vemos que o menino grandão e frustrado curte postagens neonazi e pornografia (da qual o site se entupiu em todo canto, até postagens normais você abre e dá de cara com o que não pediu e nem procurou).
Nova letra, velho passarinho
Fiz meu novo perfil, que se você quiser, pode seguir aqui. Nele, já fiz novamente minha thread de leituras que é atualizada constantemente enquanto termino um livro, além de que vou tentar levar trechos da news pra lá. Na outra rede, cheguei a ouvir comentários em círculos sociais de que eu era muito chata, dava muito RT em merda e era silenciada/bloqueada. Na época, fiquei chateada, mas hoje vejo que se essas pessoas estivessem realmente incomodadas, nem seguiriam, já que não era uma imposição ou obrigação social.
Nesse novo perfil, tentarei ser mais tranquila, porque não acho que precisamos registrar todas as nossas dores e vulnerabilidades para ficarem pra sempre na era digital, principalmente num site que cada vez mais tem incitado ódio a quem se mostra vulnerável ou erra apenas uma vez. Não vou deixar de falar bobeira, afinal sou imperfeita e ainda não posso chamar aquele perfil (ou qualquer outro meu) de profissional. Não sou formada e não ganho mais que centavos com a escrita, mas estou tentando e, tentar quer dizer modular esse novo perfil pra isso também. Também estou usando como lema apenas curtir posts que goste, mesmo que os perca pra sempre sem dar RT. Mandar na DM de alguém se achar que vale e, quando achar que quero falar algo supérfluo, escrever e descartar ou guardar no rascunho para pensar depois o que fazer.
Lá é a rede onde mais que dez curtidas sobem a cabeça da pessoa, Já vi gente se achar celebridade por ter recebido um pouco mais de atenção por falar o óbvio. Eu mesma já me surpreendi como quando eu falei o óbvio eu hitei e quando me esforçava pra falar de mim, nem meus amigos curtiam, disso tudo ficou a lição: se esse perfil cair novamente, não farei outro. Mesmo que eu ame a intenção inicial da rede, nada vale tanto esforço, nada vale tanto auê depois de tantas mudanças.
Amo a linguagem própria que existe dentro desse lugar, de um lugar que tem brigas com duas pessoas erradas ou certas, de um lugar que tem seu próprio arauto com proclamação diária: A Escribal do Umbral. Se você não conhece, vai conhecer. Mas também tem personalidades muito próprias; Laurinha Lero, a Aria Rita (que abandonou o site), o Genital de Pombo e a Sacolé de Porra que se envolveram em uma trama de dias sobre física e fatia de bolo (que me rendeu risadas quando eu estava deprimida), Claudette Gregótica, Hulk Cinéfilo, o bot do “Sunnyside of Kafka”, a Divulga Nacional, as tretas do mundo dos livros (o Book Twitter) e muito mais.
Rede de pesca
É uma rede que, apesar das suas limitações administrativas, resiste, respirando a aparelhos, aguardando seu fim iminente, já que apesar de “romantizadora, banalizadora e canceladora” de pautas, notícias, memes e linguagens onde tudo acontece e envelhece de maneira extremamente rápida, é uma rede conectada. Sendo a rede com menos usuários do Brasil, é fácil achar que conhece tal conta, ou odiar a outra que posta genéricos e aparece na sua timeline. Existe uma comunidade, odiosa entre si, que tenta colaborar de maneira solitária num mar de redes sem vínculos e sem a manutenção escrita, apenas visual. O que aconteceu com o resto da internet?
Me pergunto porque, apesar de eu ser supostamente nova para os amantes do Orkut, me lembro das comunidades no pouco tempo em que peguei nessa rede social. O Facebook tinha a seção de Eventos, onde você podia dizer se ia, se talvez ia, onde podia ver quem ia, quem não ia, onde estava, que horas começaria, como chegar. Tinha Grupos de temas específicos, textos enormes de curiosidades, fatos históricos e fotos de família, além do “o que você está pensando?” pra ser compartilhado com AMIGOS. Não seguidores, não olhos fantasmas te observando sem nenhuma interação, mas amigos.
As redes sociais não tem mais círculos e comunidades, não tem mais afagos momentâneos. Mesmo no Instagram, tudo é móvel, colorido, pastel, se mexe, visual demais, barulhento demais. Fotos tem músicas, stories tem músicas, legendas, figurinhas, horário, filtro, dancinha, anúncio, arrasta para cima para mais e o “Explorar” nada mais é do que tudo aquilo que você já gosta se retroalimentando ad infinitum, para você nunca sair dali, tal qual o Tik Tok.
As fotos de pratos de comida, fotos borradas em jantares familiares, festas ruins sumiram. Aumentam os “Destaques” de viagens, de família bem sucedida, de tons pastéis com verdades duras que ninguém te diz e são psico-patologizantes. Tem dicas, muitas dicas de todas as áreas: mercado literário, financeiro, nutricional, odontológico, psicopedagogo, coaching familiar, terapeuta de casal, professor de idiomas, restaurante, curso de como fazer tudo na sua vida ser o mais multitarefa e aesthetic possível tudo com as músicas do momento, flores, gatos, livros, velas aromáticas e uma mansão que você não tem (ainda, mas pode ter se investir seu dinheiro no perfil do menino de 15 anos que te ensina sobre gestão financeira).
Quem tem medo da internet?
As redes sociais não são mais “sociais”, são apenas invólucros onde as pessoas vomitam seus ID’s sem pensar se estão se expondo demais, se machucam alguém ou se alguém pediu essa opinião ou quer saber disso. No fim, todo mundo tem medo da Nova Internet, porque ninguém entendeu direito o que ela é nesse esgoto infinito.
Esse texto ficou sem fim por dias, porque eu simplesmente não sabia o que dizer sobre “o medo da nova internet” ou como terminar o texto em si. A realidade é que não é um medo da internet, mas o medo do que ela representa: do que as pessoas se tornaram, do que o mundo foi e não mais será, de como será o futuro e como gastamos nosso tempo nela.
Milhares e milhares e milhares de litros de água sendo gastos para alguém brincar de artista sem etiqueta moral nenhuma com IA. E mais milhares e milhares e milhares de pessoas sendo atacadas por discursos de ódio apenas porque donos decidiram que ser horrível dá dinheiro. A não diferenciação dos likes dos dislikes tornou as pessoas piores que caça-likes, tornou as pessoas em ávidas pela visualização, nem que para isso tenham que dançar em cima de seus próprios crimes. Relatos não faltam, como das blogueiras que ofereceram banana para uma criança em troca de likes.
Não sou apta pra falar da parte técnica ou no debate filosófico da internet, mas passar por essa expulsão de um site sem critério moral algum me fez me perguntar porque ainda perdemos tempo com o celular de maneira que ele esteja integrado a toda a nossa vida.
Lá estão nossos àlbuns de fotos, Cd’s de músicas, Ingressos para atividades culturais, localizações, números de parentes e amigos, todas as novidades que eles não podem te contar (afinal todo mundo agora é de “baixa manutenção”), senhas de banco, dinheiro, reuniões do trabalho, cronograma dos filhos, e-mail para entrega de coisas da faculdade.
Não existe mais não ter celular. Muito menos sair sem ele. Ou então, não ter perfil em algum lugar.
Hoje em dia, não ter perfil no TikTok te torna um alien para os jovens, enquanto se você não tiver Twitter não está integrado de verdade nas notícias e se não postar no Instagram não existe para o mundo (seus amigos).
Esses dias uma menina comemorou 51 dias sem Instagram no Twitter. A postagem hitou e ela decidiu sair do Twitter também. Disse que não fazia falta a rede das fotos e stories e que as pessoas não estavam levando a sério que ela “operava até melhor” sem. Talvez não seja um medo da internet, talvez seja dependência. Já que tivemos e devemos ter muitos ambientes bons no mar de surf da worldweb, como um RachaCuca da vida — Quem lembra? —, ou o próprio (e principalmente) o Substack.
Atualmente aqui tem sido um acalento. Deixei de me preocupar ou ficar ansiosa com a quantidade de News chegando com outras centenas salvas para ler e uso o tempo livre para desfrutar a timeline, ler textos que selecionei com o feeling do dia e então fechar os olhos, bloquear o celular e dar um tempo.
Com isso, nessas férias com esse tempo deixando as coisas pra lá, me permitindo dar final, apenas contemplar, li vários livros, editei o meu próprio, organizei textos pra cá, fui no parque, passeei, fui atrás de médico. Quantas coisas não deixamos de fazer por dependência? E passou a ser sobre usar o tempo com utilitarismo e agora é sobre vivência. Tenho certeza que “opera” melhor a menina que agora, deve estar há uns 60 dias sem Instagram. Quem sabe a gente chega lá também?
Antes de ir…
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você com a conta suspensa por uma bobeira e eu tentando há meses excluir minha conta e não consigo, porque preciso de um código para logar que nunca chega. e o suporte simplesmente não resolve nada.
Ana, que surpresa linda ser linkada no fim dessa edição! Obrigada!
Entendo demais essa espécie de angústia em relação ao atual funcionamento da internet, especificamente das redes sociais, e entendo mais ainda a relação difícil com o tuíter. Como ex tuiteira, digo com tranquilidade que vai chegar o seu momento de gota d'água e a vida vai ser linda depois que você deletar sua conta! É o tipo de coisa que tem que vir de você e que cê vai aproveitar muito quando rolar.
Gosto muito de ler gente falando da relação que tem com a internet e das questões que o uso pessoal leva, e gostei muito de te ler. Me chamou atenção isso que cê falou de "medo da internet". Acho que a questão não é o medo da internet, mas do uso que está sendo feito dela. E acho que temos que colocar os pingos nos is e dizer que é um uso capitalista neoliberal, que tem como base a exploração de recursos naturais e de trabalho humano – uma coisa que cê comentou, inclusive, mas que a gente (todos nós!!) tem que martelar demais.
Também não é uma nova internet. A internet é a mesma estrutura de sempre, as empresas que estão enfatizando mais aspectos de controle dessa estrutura. A responsabilidade é, em grande parte, de empresas e governos.
Cê falou: "A realidade é que não é um medo da internet, mas o medo do que ela representa: do que as pessoas se tornaram, do que o mundo foi e não mais será, de como será o futuro e como gastamos nosso tempo nela.", e isso me pegou porque eu entendo e concordo, mas também discordo hahahaha. Acho que a questão não é o que ela representa, mas o que ela é. O que fizeram – e fizemos – ela ser. A gente é tão acostumado a falar da internet como uma coisa viva ou como um lugar, mas a internet é uma técnica. O que quer dizer que o uso dessa técnica importa. E acho que o medo/ receio/ angústia/ irritação etc. que temos tido vem de um uso muito capitalista da internet.
Fiquei pensando aqui te lendo e te respondendo que a internet se tornou um instrumento de exploração. Dos humanos e dos recursos naturais. E muito da confusão vem exatamente da gente ter visto por tanto tempo a internet como um instrumento de liberdade. Uma coisa bate muito de frente com a outra, e é difícil demais reconstruir nosso entendimento do que é a internet e do que ela ainda pode ser.
Daí entra também porque é tão bom ver gente escrevendo e falando e conversando sobre o assunto. Essa é uma conversa que temos que ter coletivamente. Fico feliz que cê tá nela também!