Casa de Bonecas
Era uma casa de plástico. Tinha cara de casa. Seis cômodos. Sete bonecas. Quatro delas eram a mesma. Outras duas andavam juntas. Uma era a própria.
Todas as quatro tinham olhos grandes. Nariz arrebitado. Pele bronzeada. Sorriso no rosto.
Uma delas tinha o olho desgastado. A mesma com risco nos braços. Ficava pelada jogada num canto. Quem brincava não sabia como vestir. O cabelo era cortado. Mal.
A outra dessa tinha o pé mordido. Mancava ao andar, pé feio. Chato. Só usava sapato fechado. Ela era boa pra brincar sozinha. Sem ninguém. As roupas não ficavam totalmente boas. Eram apertadas.
A terceira era quase perfeita. Tinha o cabelo muito armado. Tinha looks descolados. Mas sempre faltavam peças. Tinha acessórios. Bregas. Criava histórias. Zinhas. Tinha um carro. Não era original. Era puxado por uma cordinha. A casa não é dela. Tinha roupas de outras bonecas. Era a mais usada. Não sei se mais querida. A dona não lembra de nenhuma.
A quarta só usava brilho. Era elogiada por todos. Fazia gracinhas. Rodopiava em festas. Era a amostra pra visita. Guardada na caixa com carinho. Até nadava. E tomava banho. Era escovada. Tinha mechas coloridas. Boas articulações.
O plástico era das duas. As outras. Uma era mais musculosa. Praieira. Vinha com um boneco surfista. Ele tinha prancha. Sunga. Shorts. Sem camisa. A cara dele era borracha. Ele não era querido. Não usava o carro. Nem ficava na casa. Não tirava onda. Não era bonito. Não lembro o fim. Essa boneca era velha. Parecia porcelana. Pele polaca. Tinta antiga. Ajuda as outras bonecas. Uma fada madrinha. A casa era dela.
A outra dela era brava. Vivia enfurnada. Cabelo repicado. Luzes escuras. Não ficava na casa. Se batia nas outras bonecas. Debatia-se. Era a maneira da briga. Participava da encenação. Sempre estragava tudo. Ou era culpada porque queriam.
A sétima era de outra marca. Pequena estatura. Parecia criança. Não sei se tinha mais dela. Então falo por uma. Corajosa. Foi embora. Então termino antes do sete.
Ultimamente penso se sobrou alguma.
Todas foram doadas. Para outros. Não pra criança que brinca. Não pra que narra. Na verdade, nunca teve casinha. Era muito caro. Até que tinham dinheiro. Prioridades eram outras. Boneca é coisa de bebê. O dólar aumentou. Agora a moda é monstrinho. Elas também eram um pouco.
Todas foram mordidas pelo cachorro. Não sobrou nenhuma. A brava esperneou. A corajosa viveu certo. As quatro eram mandadas. A criança cresceu.
Não sobrou nenhuma?
Ah. A de olhos desgastados no canto. Está de roupa, lendo, lendo, lendo. Não sabe se sobrou a casa ou se mora em escombros.