Todo mundo tem algo que falta. Algo inegável. Inadmissível. Manchando o corpo. Algo tão escrito e abertamente oral e chamativo que mostra o vão oco dentro de si. Pode ser uma leitura. Talvez seja uma proficiência. Ou então uma qualidade. Uma referência. Mas todo mundo tem esse algo que falta. Esse passo em falso, essa fatia ausente. Esse degrau que te coloca pra baixo dos outros.
O meu se engrandece quando olho pra ele. Me encara sorrindo, mesmo que não tenha boca. A boca me engole e me diz o que eu já sei ouvir: que nada sou além de menos que os outros. Menos que gente, mas menos ainda que bichos. Hoje eles são bem tratados. Sem santificações, palminhas, estrelinhas ou batidas nas costas. Sem cobranças, só olhar de desprezo. Sem ensinamentos, morais, puxão de orelha. Só olhamos os brincos de quem nos importamos. Aqueles que queremos sujos, abaixo do todo, não puxamos orelha, puxamos a corda da subida.
Todo mundo tem esse buraco. Pode ser no peito. Pode ser no cérebro. Às vezes é no meio da mão, de onde tudo passa vazando. Todo mundo percebe ele. Sabe que o tem. Nos dias ruins, olhando no reflexo. Tem gente que percebe até no dia bom. Percebe quando alguém olha com desprezo, quando está sozinho no meio de risadas. Quando está no entremeio entre adulto demais e jovem também.
Essa falta inesgotável de que sim, falta algo. Em você. Falta você. Que você sempre estará pra trás, vazio como uma garrafa retornável que saiu de linha. Você olha o mundo e ele não parece sentir falta de nada. De ninguém. Não parece notar a sua falta entre tantas. Mas você sente, porque mesmo sabendo que os outros tem suas faltas, é só da sua que você sente a não existência.
Tente de novo ler “a parte que falta”, perceber que você se preenche. Minta pra si. Chore sozinho. Aprenda de novo. Risque. Erre. Olhe o reflexo. Saia de si, desse buraco. Será que olhamos muito as faltas porque os espaços preenchidos são tão cheios que não permitem serem espaços olhados? Que parte faltosa é essa, então, que enche qualquer espaço que eu esteja, até que fique só eu e ela? Eu sozinha, na verdade, já que ela não é nada.
A falta que nunca é nada. Até ser demais até pros excessos de espaço, de espasmo. Todo mundo tem, mas eu, egoísta, uma falta, só sinto a minha. Querendo pedir socorro pra que alguém entenda essa questão, tendo a sua própria pra lidar. E ninguém nunca entende e seguimos sem entender ninguém.
Falta algo até nesse texto que não sabe definir direito esse vão empecilho de viver, que dá agonia de estar, de esperar, de ser. Definitivamente é uma falta entre tantas seguirmos sem falar disso. Lacuna da escassez coletiva, uma monstruosa e meio lunar imperfeição.
Esse buraco horrível, essa boçoroca imensa, geral, global, alheia que tanto diz de nós e que tanto os outros dizem que diz da gente. Uma falta talvez, infinita e definitiva, impreenchível. Que, tomada a consciência de sua existência, ganha dentes metafóricos que nos roem por dentro.
E imagino que você já conhecia sua própria falta, é uma consciência fatal causal da falta de se olhar demais. Mas agora que você sabe mais, não vai conseguir fingir que não sabe. Ou que se esqueceu. E se não sabia, agora será a coceirinha atrás da orelha quando você se coloca um passo atrás num meio e, de fora, se olha como um recorte disso que se auto cava.
É a maldição de se diminuir pra caber em espaços e fingir ser grande pra correr mais largo. Em ambos falta, em ambos nos forçamos a caber num formato não nosso. Inexprimíveis as forças que nos levam a ver o vazio.
Depois de visto, tomada a consciência, o arrependimento é material e a existência inegável:
falta algo em você.
Até que em fim encontrei um texto que fala das faltas. Sinto isso redondamente em mim.
E, por mais que busque encontrar essas faltas, elas acabam por fazer parte de quem sou.
Adorei seu texto. Tremendo texto.
O texto ficou maravilhoso Ana (Como todos os outros) mas esse aqui... Esse aqui me pegou muito cara... É o retrato da nossa geração atual. Um vazio abismal que é praticamente impossível de preencher, porque ninguém tem culpa disso. E ninguém vai entender as noites que você se perde de você mesma... A gente tem mania de querer salvar os outros. Mas, quem é que nos salva quando estamos à beira do abismo??
Vai fundo nesse textos sentimentais, garota!!
Tem muita poesia pra ser extraída e explorada aí ❤️