Por muito tempo achei que quando crescesse as pessoas gostariam do que eu escrevo como gostam de grandes autores. Como pode alguém ter aprendido aos seis anos a ler e já ter a prepotência, a presunção de um Balzac?
Depois de um tempo comecei a notar que não se faziam mais Machados, nem Cecílias Meireles, ou então Leminskis. Ninguém mais parecia querer escrever poesia ou gostar de ler isso. Percebi que quando eu escrevia poesia deixava uma parte de mim escoar para a literatura e, quem sabe, encontrar outras pessoas que “precisassem ouvir” o que eu tinha para dizer, como se uma moral salvadora ou “identificatória” pudesse ser o suficiente para fazer literatura. Foi com um balde de água fria que eu notei que “ninguém quer ler” (sim vou vender meu jabá com hiperlinks metalinguísticos e auto referenciados, como descobriu?) e que ninguém se importava de fato com a moral, os autores de hoje queriam mercado.
Tentei escrever fanfics quando era nova, me fez muito bem na vazão de sentimentos, escoar ideias ruins, paixões por joguinhos de dating game ou frustrações narrativas com autores que não seguiam os meus planos (que certamente são melhores do que o planejamento oficial, qualé Riordan, todo mundo sabe que o Valdez fica com a Hazel.)
O processo foi muito longo e o barato é curto. Se eu for me postergar, vou me repetir anaforicamente sobre como sou uma coitadinha que foi vítima dos lobos do mercado editorial e, no processo de me mutilar, desvelar segredos de escrita que não só eu não sabia e não cumpro na minha, como tornar esse mais um texto good vibes sobre escrita do site, desses que, ao não querer romantizar o processo de escrita como perfeito, fluído e nada técnico, torna tudo romantizado, perfeito e muito técnico.
Para resumir: publiquei um livro com zero apoio judicial familiar, brincaram com o sonho de uma menina de 16/17 anos, deram o gostinho de um cuidadoso projeto editorial e soltaram o livro no mundo como se minha obrigação fosse papagaiar para vendê-lo em plena pandemia, ou, nos extremos, me prostituir em transições virais e dancinhas com pouca roupa na decantação de autor = obra. Lancei contos em antologias e de maneira independente, que, apesar de pouco burburinho, tem meu coração como outras coisas hoje já não (me) tem. Quem quiser ler, sempre pode clicar em um dois links e acessar com muita facilidade.
Se o problema for dinheiro, pode me pedir o documento também, numa boa, desde que haja algum feedback. tipo me mandar uma mensagem falando o que achou. Democratização das balelas que escrevo — a menos que seja extremamente pessoal e eu não me sinta confortável em deixar de graça, como por aqui. — que inclusive, de maneira natural, às vezes ganha uma resenha aqui e ali, onde revejo meus erros e me sinto levemente abraçada pelos meus acertos.
Tá, Ana, mas e a tal regra N°1 da internet de não olhar os comentários?
Eu já tentei. Não consigo. Preciso de um retorno do que digo para não sentir que grito pro vazio, para parede, para um mundo impossível. Uma vez um professor meu disse que ninguém escreve sem destinatário e se diz que sim, mente. Toda escrita pressupõe um leitor. Não me escrevo, te escrevo para você se (me) ver. O que significa que eu olho todos os comentários aqui, olho todas as resenhas de tempos em tempos e continuarei fazendo isso mesmo que fira a alma ou o ego (e não são a mesma coisa às vezes?)
O que vem a calhar na história toda é que o processo pré-durante-pós-pandêmico me fez escrever um romance como rememoração do que foi meu ensino numa escola estadual em São Paulo. Está terminado, diagramado. Até capa tem! — quem paga a news sabe e viu —, mas não sei quando sai. Nem se sai.
Acontece que aconteceu — credo! — tanta coisa na minha vida e cabeça que sinto que me tornei muitas outras em pouquíssimo tempo. Sinto que me tornei adulta, mulher mesmo, em diversos aspectos, nos processos felizes, as alegrias, pequenos milagres e em todos os obstáculos dolorosos e passageiros ou não das condições naturais da vida.
Logo eu, a maior hater de mudança, a mais monologal possível sobre minhas temáticas, quis desistir da escrita por dor ao perceber que o mundo não quer que a gente escreva, não vê utilidade na arte, não lê, não liga para novos gênios e nem acha que eles existem ou podem existir. Logo eu que era mimada em relação a ser escritora, batia o pé a favor do único sonho que eu achava ter, me voltei para fora de mim mesma: foi preciso desistir da escrita para me desprender de muito mais, inclusive de mim.
Quando fiz isso, passei a querer falar do Mundo, dos Outros, essencialmente o que amo. Quando fiz isso, me vi fazendo aquilo que acreditava não saber fazer; postagens ensaísticas. Pior! Eu, inimiga da constância da escrita, me vi publicando quinzenalmente numa Newsletter, que nem sabia o que era antes de entrar no mundo profundo e múltiplo do Substack. É, talvez a gente se repita. Sim, tem gente tentando vender curso ou cagar regra de como usar o site ou o que se pode falar ou não. Não, não somos melhores aqui do que em qualquer outra rede social e, por favor, aqui não é o LinkedIn.
Descobri ser esse o espaço onde a minha persona digital, pessoal, acadêmica e literária se encontram numa mesma pessoa (Chega a ser pessoa?) metafórica para ser anafórica.
Descobri que tem muitas camadas a serem descosturadas e costuradas nos MESMOS temas que eu tanto gosto e repito, me senti a própria precursora ao falar de temas climáticos e distópicos em relação a ansiedade, — alá, prepotente de novo!
Todo mundo fala disso na literatura faz tempo doidona! — amei trazer minhas raivas que eram validadas enquanto qualidade de escrita, quase uma coerção estilizada, ou poder apenas recomendar o que eu gostaria que o mundo visse, simplesmente transfigurada na poesia que eu tinha “abandonado” (publicamente, ainda tem verso guardado na gaveta).
Toda essa balela não para falar que o processo de escrita é se voltar para fora de si mesmo, apesar de que qualquer bom escritor sabe que ele não é e nem deve ser sua única fonte e recipiente de inspiração se há tanta coisa no mundo, mas para mostrar que essa mudança de quase-desistência da escrita — ou desistência completa, já que não escrevo ficção há um bom tempo, apenas a news — foi um dos fatores essenciais para eu estar como estou hoje.
Não sou menos escritora do que já fui um dia (já fui?) porque não escrevo, não tenho confiança ou transpasso o que aprendi em uma escola, sou o que tenho aqui!
Anaforismos completa um ano de idade hoje, com 308 inscritos!!
(espero não estar esquecendo de ninguém) que eu não poderia deixar de agradecer imensamente por acompanharem o que eu leio. Com 100 ou 14 curtidas, com 300 ou 23 aberturas ou leituras, sou muito grata pelo alcance que a News tem e claro, eu não achei que teria, porque afinal, o que leva 300 pessoas a decidirem assinar um canal que é apenas o passaporte da loucura que uma estudante de Letras fala?
Soube que tem gente que reclama das pessoas que escrevem por aqui e agradecem o pouco crescimento, como se quem se inscrevesse estivesse fazendo um favor. Não estão. Na verdade estão fazendo um processo bilateral de ganhar um pouquinho de tentativa (e formação) de uma literatura enquanto sou estimulada a uma evolução nunca imaginada pela mini-Ana com anseios balzaquianos (evolução não qualitativa, mas progressiva).
Parei para pensar em tanta coisa! Sobre tantas coisas e tudo poderia ser esse texto, uma intersecção de muitos mundos e no fim eu só conseguia pensar que em um ano, 300 pessoas é muita gente.
Um post sobre isso dizia: “Pare de deixar as redes sociais enganaram você. 10 likes ainda são muito, imagine dez pessoas indo até você apenas para te elogiarem. Imagine 100 pessoas apenas te observando falar numa sala.”
Minha sala está cheia de pessoas, pode ser que nem todo mundo esteja presente, mas estão na chamada. Pode ser que nem todo mundo esteja ouvindo, lendo, vendo, mas de alguma forma eu sinto que estou vendo todos vocês. Se metade disso abre a news e lê, mesmo sem curtir, se está ali de maneira fantasma. Ainda sim, é assustador e grandioso. Umas 150 pessoas não cabem nas salas da minha faculdade, ou na minha casa. Não tem isso num prédio, escola, mercado, show…Imagine 150, 100, 90. 300 pessoas te olhando. É gente pra caralho. Não tô competindo com ninguém aqui no Substack, porque muita gente chegou através de outros espaços, discussões, outras News e eu acho incrível podermos usar essa rede de maneira tão plural e nichada ao mesmo (antes que os donos estraguem por dinheiro).
Ultimamente o medo do mundo tem me feito escrever menos, até por aqui. Não é só medo do fim do mundo como colapso, mas medo de ser adulta, das obrigações, da vida ser “só” isso no sentido literário: eu escrevo, alguém lê e nada nunca mais muda no mundo. Não tenho um projeto literário estético, uma fórmula mágica, uma lição de moral como alguns autores insistem em dizer que tem que ter, como uma linha narrativa presente em cada linha. Não penso em desenvolturas narrativas, em frases prontas instagramáveis, todas as minhas ideias estão na minha cabeça.
Todos os meus enredos não foram escritos, portanto não existem, portanto não sou escritora deles e me dói não ser. Mas tudo já foi dito, hoje a execução sociológica supera o estético, os gênios morreram, já ocorreu o fim da poesia, o Adorno estava certo. A fantasia não segura mais as utopias, nosso mundo muda muito a cada ano, o tempo passa mais rápido e o tempo se esgota. Mas como eu posso dizer que nada nunca muda no mundo através de qualquer ação que a gente faça?
Alguém ainda dá risada de algo que eu falei por aí, assim como alguém lembra de uma música que você recomendou. Eu me lembro de uma amiga específica quando vejo qualquer coisa do Drummond. Algum enredo ainda está na minha cabeça pedindo para ser escrito apesar do meu medo da Academia ou de (vocês, me desculpem) leitores.
Ainda há leitores aguçados, os leitores astutos que Machado pedia, esperando um novo Bruxo, que pode não ser eu, mas eu quero acreditar que exista alguém. Ainda há gente nas nossas salas. Voltadas para fora de si, sem textos esquemáticos e imagens de natureza morta geradas pela artífice da inteligência. Ainda tem professores que olham com olhares caridosos para alunos, com esperança para a literatura, com humor mordaz para o futuro.
Que o fim chegue com ironia, mas que chegue. Ainda existem discussões interessantes e intermináveis, como uma conversa no almoço se perguntando “todo escritor morre desiludido?” ou um café da manhã irrespondido “a forma romance não sintetiza mais a estética contemporânea como faz o conto?”, discussões de relacionamento tão raivosas que trazem à tona que não ter projeto estético é burrice, que suscitam se abrir para um Professor, um Mestre: “TODO escritor tem uma formulação estética em trajetória de maneira consciente ou inconsciente para ser bom escritor?”
Tanto faz todas essas questões, posso dar as bobeiras também. Ainda há gente humana, com os olhos marejados de saudade da mãe, mas com tempo de ser grato pelas amizades que fez. Gente que desiste de um trabalho que a suga e tem tempo para se preocupar com um grande amigo. Gente que muda completamente a perspectiva da vida e da morte depois de um dos pais sobreviver com tantas ressalvas, coincidências, acasos. Há sorriso e olho no olho em um exame, há risadas, convites para jantares, chocolates. As salas estão cheias. As salas estão cheias de olhos para ver e se vês, repara.
Repara que o mundo continua apesar da gente ou não e que fazer o que se gosta apesar da máscara social, é muito difícil, é dolorido, mas funciona. Se “alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões” Machadianas essas são as pessoas e suas tentativas, de um ano até aqui, daqui para frente, até ter mundo para errar. Vi essa frase esses dias, do Guto Lacaz e ela ecoou muito em mim:
“eu erro muito, porque tudo o que faço nunca tinha feito antes” e fiquei me perguntando quantas vezes errei até aqui: com as pessoas, comigo mesma, na teimosia, na faculdade, com quem eu amo, na própria news. Quanta bobeira já devo ter dito. Quanta coisa deixei de dizer, não anotei, perdi o timing, o gosto, não escrevi, não tive tempo, sei lá! Não foi dito.
Como perco o timing para acabar esse texto logo, me alongo no agradecimento mal feito e falei de tantas coisas além do que vim falar… Queria que as pessoas soubessem, sentissem, acreditassem que há chances para elas. Não acredito nisso para mim, uma pessimista invicta que já se tornou odienta e odiosa. Não sei se um dia vem aí minhas intenções de “vem aí” literários. Mas tem algo no mundo que inspira a ser melhor, ou talvez seja um algo no outro que nos inspire a ser melhor para ele(s).
Uma sala cheia é uma sala com vida e vida é o tema que há em todas as coisas.
Bem-vindo aquele que vem com vida.
Um beijo e muito obrigada,
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Viva!! Vamos comemorar sim os números da Anaforismos, pois na verdade são símbolos de cada uma das 300 pessoas e de 1 ano (ou 365 dias) da passagem desse senhor tão bonito, o tempo.
Um beijo, Ana.
que venham muitos mais anos de Anaforismos!❤️